domingo, 15 de maio de 2011

Quem tem medo dos humoristas?

 
A, não tão nova, onda de patrulha e discussão sobre o direito de os humoristas tratarem ou não de determinado assunto teve sua recente tensão aumentada pelo destaque dado à mídia ao deputado Bolsonaro, que em suas incursões midiáticas, nos proporciona sua  verborragia preconceituosa e nada espontânea (cabe aqui, uma pequena pausa para um minuto de reflexão acerva do caráter eleitoral de suas falas e a forma como trabalha o imaginário do povo conservador que o tem como representante).
Piadas sobre judeus, gays, ou quem quer que seja passam por uma censura moral mais difícil de combater do que qualquer DOI CODI físico que todo mundo pode saber  onde está (ao menos no sentido aqui exposto, esclareço para não pensarem que não sou sensível aos problemas, por este, causado). Esta censura, condena com ofensas pessoais (!?) e desmerecimento(!?) profissional qualquer tipo de manifestação que aborde os temas tabus em questão; como se fazer aquela piada sobre o veado que descia do ônibus e... Fosse o mesmo que tratar diferenciadamente dois jovens de orientações sexuais distintas em uma entrevista de emprego pelo seu trejeito, ou pela sua forma de falar (citar somente a opção seria rasteiro e pobre).
Sobre os judeus, o tema se torna mais complexo ainda. Não que uma forma de preconceito seja pior que a outra, mas o tabu em relação ao judeu é mais institucionalizado. Tocar em um aspecto referente ao estereotipo construído acaba sendo confundido com levantar a bandeira de uma política que se constitua, entre outras coisas, através do genocídio. A questão fica tão grave, que não se percebe o quanto é hipócrita esta defesa, pois vivemos e levantamos a bandeira de um sistema de VIDA, que sob o argumento de um discurso democrático faz guerras de caráter escuso, destrói a dignidade de povos usando representações desastrosas de suas culturas como meio de justificar a centena de bombas que receberão em suas cabeças.
Enquanto países excluídos do ciclo de “progresso” capitalista estão passando fome, um povo tem sua reputação vilipendiada e um país desrespeita totalmente o outro para caçar o SEU inimigo sob nossos aplausos, o cretino da história se torna o cara que vive de acentuar estereótipos.
Não sou nem um pouco entendido de teorias do humor, ou qualquer coisa que direcione a formação destes profissionais, mas imagino que uma forma de composição seria provocar o riso buscando possibilidades inusitadas de desfecho de uma determinada situação, ou um paralelo entre situações que de tão inusitadas venham a provocar o riso.
Eles trabalham com a representação. A representação está lá! É o objeto de trabalho de quem REPRESENTA a vida de modo a “congelar” pequenos recortes do cotidiano dando-lhes outra significação. Isso ocorre na fotografia, na literatura ou no humor. Cercear as possibilidades criativas é cercear o trabalho de alguém. Caso este alguém entre em desalinho com a expectativa do público, ele cairá no esquecimento. Se isso não acontecer seria muito mais interessante tentar entender o motivo da aceitação do que ser agressivo com o humorista.
Sei que retrucarão que a piada pode ser combustível para o preconceito. Mas vamos pensar em outra perspectiva: vejamos a piada como manifestação da memória, e tenhamos em mente a importância desta memória para a compreensão de nossa formação histórica.
Vejo que a ira causada por certas manifestações se dão mais por não permitir que um outro fale de ti (pessoas de fora iradas, seria, por concordarem com as primeiras), do que por uma questão de lembrança causada ou pela dor que certas composições de cenas descritas podem causar. Francamente, não acredito que aquele que tem em seu povo a marca de anos de luta pela sobrevivência vá se magoar por ser pechado de pão duro ou por dizerem que um determinado vagão o remeteria mentalmente a Aschwitz. Nem tão pouco, concebo a possibilidade de alguém que teme perder o apoio da família e teme manifestar carinho em público vá se ofender por ser chamado de bichinha.
Infelizmente, não existe uma medida certa para orientar o humor, e quem tenta fazê-lo recorrendo a um subjetivo bom senso não percebe que suas delimitações não brotam feito relva nem surgem ao acaso dos ventos. Particularmente, não gosto dos valores burgueses enaltecidos nas telenovelas, mas sei que isso vem de uma vivência individual. O que não me faz sentir a vontade para travar uma “cruzada pela moral operária contra as telenovelas” como estão fazendo com os humoristas.
 Lembremos, que somos todos diferentes e em cada diferença reside uma possibilidade de estereótipo que pode ser cômico ou triste e citar este estereótipo é tratar esta diferença.
Quero respeitar e conhecer a história do povo judeu, bem como quero respeitar e continuar amando meus amigos gays, mas sem imposições morais ou cerceamento de minha liberdade de expressão.