sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A república dos poetas.

 Minhas ideias costumam ficar adormecidas na memória do computador. Este é um fragmento da história de personagens que rondam minha mente implorando por mais vida. Um dia acabarei... 




A república dos poetas

Percebendo o fim próximo de meu reinado e as novíssimas aspirações daqueles que falam agora em nome de meu povo. Entenda, que não quero aqui tirar do povo a vontade que os guia. Somente, se assim me refiro a esta vontade é por tratar destes que falam em nome do povo sem que preciso fosse qualquer forma de consulta prévia.
Voltando aos novos rumos de nossa amada terra, temos nos desdobramentos que seguem a mais revolucionária mudança de paradigmas sociais já encontrados: em um golpe desesperado de minha parte, busquei aliados que apesar da reserva com que me tratavam, ainda respeitariam meu nome e a tradição que haveria de carregar por muitos anos, ainda.
Se, eram leis que chegassem ao coração do povo que eles queriam, montei, eu mesmo, a nova constituinte formada pelos iminentes poetas de meu reino. Os dez ou doze nomes emprestariam seu talento para a constituição dos novos rumos da sociedade.
Segue, que na primeira reunião, os poetas declamaram discursos eloquentes que fariam estremecer qualquer monarquia ou regime que reconheça o valor de uma palavra.
O primeiro a falar foi o ilustríssimo poeta Herculano Teixeira Sales que se dispôs em prosa sobre a questão da educação e da cultura:
-Nobres colegas, compreendendo a magnitude do distinto dever  para o qual direcionaremos nossas energias e criatividade, sugiro que inauguremos este espaço tratando do que deve anteceder  à todas demandas de nossas atuais preocupações: a educação.
-Bravo! Bravo! Bradava o poeta Casimiro de Santiago e Brás em aplausos efusivos e solitários. Construiremos escolas – continuava em seu entusiasmo – criaremos leis e daremos aumento aos professores.
Pego de surpresa com o pueril entusiasmo de seu colega, Herculano Teixeira Sales tentou novamente definir seus padrões de modo a justificar a ação dos poetas na nova constituinte:
- Tenhamos sabedoria, companheiros, para que não nos escape a compreensão da razão de nossa existência neste magnífico espaço que é dar vida através da palavra aos anseios de nosso povo. Se falo em educação, deixo aos técnicos o número de escolas ou qualquer outro pormenor que não nos dispomos à competência. Falo do sentido a que daremos à educação e suas razões de ser, pois se vejo precedência na pasta, é por que não posso ver saúde ou previdência que seja entendido, se não dermos o dom de nossa palavra aos jovens que construirão este nosso novo país.
Sem precisar me alongar muito nos pormenores e nos desenrolares desta plenária, poderei ilustrar meu contentamento com os novos rumos de nossa conturbada política.
Meus sentidos se aguçaram ao perceber que com os poetas a frente das definições e das possibilidades sensoriais da vida de meu povo, teria eu, ainda, espaço na administração pública. E se o que queriam era a república, que assim seja. Teremos, então, uma república uma república repensada e redefinida pelos poetas. Quem mais poderia definir uma república orientada por moldes tão interessantes que permitiriam a atuação de um rei em tamanho contexto democrático.
Mesmo que banhado pelas novas ondas democráticas que assolaram meus domínios nos últimos anos, não consigo deixar-te à vontade para julgar os novos rumos de nossa recente constituinte devido ao entusiasmo o qual fui tomado e agora acabo por refletir nesta narrativa.
Os dias foram passando e os entusiasmados poetas (embora, voltando a ostentar seu peculiar espírito de sobriedade erudita) foram dando conta de suas atribuições. Faço um destaque especial ao modo como meus súditos se encantavam com cada aparição pública de seus novos representantes. De minha parte, continuei Rei. Um rei um tanto enciumado, mas ainda assim um rei que, se não era acalentado pelo hálito fervoroso das multidões em adoração, seria um rei em responsabilidades e atribuições.
As leis surgiam em uma relação interessante que lhe conto: os poetas recitavam as vontades da população que eu transformava em leis (ou qualquer coisa que substitua uma necessidade não atendida) e os poetas cantavam as boas novas aos quatro ventos fazendo-as cumprir.
Comecei a entender na lógica de meus novos correligionários a essência do que era preciso para a vida. A palavra veio a ser meu novo padrão de vida. A partir do momento em que tracei minhas novas amizades, fui percebendo que os novos significados dados às minhas ordens não eram exercícios de retórica que serviam para enfeitar ou salientar o que era importante de ser ouvido. A poesia feita em leis falava mais das coisas do mundo, do que qualquer sentido que se possa buscar.
Os poetas se engajaram em seu velho e redescoberto papel nos novos rumos de nosso reino.
As reuniões foram ficando cada vez mais interessantes e cada vez mais, pela poesia, andávamos a descobrir novos rumos para nosso tão sonhado destino de plenitudes. Não que andassem a recitar versos em plenário. O que tínhamos nas magníficas reuniões eram discursos em prosa e discussões acaloradas sobre tudo aquilo que dizia respeito à felicidade de meu povo e ao bom andamento das questões morais do reino. As questões burocráticas, os números e os deveres administrativos, para meu regozijo, eram deixados de lado e a mim, cabiam todos.
Ao ler esta carta deves estar se perguntando: o que teriam então estes poetas de especial, posto que se não recitavam, seriam retores, oradores ou sofistas e não poetas. Onde estaria esta tão importante particularidade para os rumos de uma nação.
Perdoe-me se pareço atrevido ou prepotente em conferir-lhe tal questionamento. Se o faço, entenda, é por não saber se meu amado leitor é entendedor de poetas ou se costuma se a ater às questões do coração. Prosseguindo à minha possível má educação, te digo que um poeta não está somente a versejar beleza ou a contemplar e criar rimas impensáveis para os não iniciados na arte da palavra. Um poeta é alguém que pode ver cada detalhe da alma humana e percebe cada resultado de cada união possível à estas almas. O poeta vê o mundo que ninguém vê. Aliás: o poeta vê o mundo que todos veem, mas ele sabe o que vê.
A virtude do poeta não é fazer versos. A virtude do poeta é saber que a palavra é o que de mais solene se constrói sobre todas as coisas. A palavra é viva no sentido que a tudo confere, e absorve das coisas aquilo que se espera dela. É uma troca viva, onde a ela batiza e faz nascer o sentido, enquanto o sentido que ela deu é dado ao homem que devolve ao mundo em valores que ele aplica à coisa e estes valores vão para as palavras como quem deixa um pouco de si naquilo que fala e pensa.
A palavra é sublime e humana, ao passo que é carregada de sentimentos, mas pode guiar os sentidos do homem como se não fosse do homem proveniente.
Note que tudo tem uma palavra. Inclusive, as coisas não batizadas são “coisas sem nome” – aí, são três palavras e o vazio de não ter o som próprio que a signifique. Enquanto a palavra  pode existir sem objeto, canta-se um mantra ou recita-se um verso conferindo à palavra mais que o que ela teria para exprimir. A palavra é viva por assim o ser, enquanto tudo precisa de seu sopro para ser algo.
Este aprendizado, não esquecerei e terei sempre a impressão de devo pensar mais nas palavras do que nas coisas que elas dizem.