terça-feira, 19 de abril de 2011

Discursos sobre cotas raciais em sala de aula.


Este foi um relatório sobre uma atividade realizada em 2009

Discursos sobre cotas raciais em sala de aula.





A exemplo de uma aula ministrada no pré-vestibular comunitário de Manguinhos (PVCM)






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            Desde julho de 2004, quando depois de 5 anos de discussões, 20% das vagas de todos os cursos da UNB são reservadas para alunos da cor negra, é comum em debates sobre educação, o questionamento acerca dos valores éticos que envolveram a elaboração e aplicação das cotas raciais no Brasil.
            Meu objetivo neste texto não é exatamente entrar no mérito da justiça ou da legitimidade das cotas raciais. O que proponho é uma investigação sobre os elementos que norteiam as discussões e o que se pode aproveitar disso para a compreensão da percepção política dos estudantes.
            Em uma turma de pré-vestibular comunitário situada em Manguinhos, na cidade do Rio de Janeiro, foi proposto um debate entre os alunos, de maioria negra ou descendente de imigrantes nordestinos, ou os dois. 100% da turma era composta por moradores da região que ainda cursavam o último ano do ensino médio, que o concluíram no ano anterior e por alunos que retornavam após um longo período afastado de atividades acadêmicas.
            O debate se iniciou de forma abrangente, com uma pergunta simples: “qual a opinião de vocês sobre as cotas raciais?"
            O primeiro aluno a se manifestar foi um jovem negro que trabalhava em um escritório de contabilidade e que não enxergaria outra forma de ingresso em uma universidade pública senão pela iniciativa da comunidade em manter um pré-vestibular comunitário sic.
            O aluno relatou não ser candidato a uma vaga de cotista, por não admitir a possibilidade de ser submetido a um julgamento mais brando de suas competências e por não se sentir a vontade com a possibilidade de ser estigmatizado como um candidato “beneficiado pela sua cor”.
            Alguns alunos taxaram a medida de racista, por julgarem beneficiar um determinado grupo social. Estes alunos se dividiram em dois: de um lado os que consideravam que a medida traz consigo a ideia de que os brancos seriam intelectualmente mais capazes que os negros, e que por esta concepção, o projeto haveria de ser rechaçado; e os que consideravam que o “benefício” dado aos negros seria uma espécie de favorecimento, fruto de uma retificação que tomou caminhos equivocados. Nesta última ideia, a falta de uma justificativa histórica mais coerente faz com que não se conceba a ideia de uma dívida, ou uma reparação histórica que justifique um “benefício” de tal natureza.
            Um outro grupo levantou a possibilidade da ineficácia do projeto em equilibrar a atual situação de desequilíbrio da composição social das universidades públicas. Neste caso, a medida proposta mais coerente seria a concepção de projetos que fortaleçam a escola pública, para que os alunos dela oriundos, tenham condições iguais de se candidatar à uma vaga nas universidades.
            Por fim, houve quem levantasse o suposto risco de redução do nível das universidades públicas, ao passo em que candidatos com menores pontuações fossem aprovados. Normalmente, esta ideia é atrelada a uma supervalorização do vestibular enquanto ferramenta de medição de conhecimento.
            Algumas coisas devem ser levadas em consideração ao abordarmos este assunto. Primeiro: o “mérito acadêmico” não pode considerado, levando em consideração um sistema de avaliação que apesar de algumas diferenças entre as instituições, privilegia majoritariamente a capacidade de acúmulo de informações, habilidades que exijam horas de treinos que não condizem com a realidade da maioria dos jovens brasileiros que começam a trabalhar antes dos dezoito anos. O vestibular está longe de ser uma prova equânime que classifica os alunos segundo sua inteligência. Está claro que realidades sociais distintas haverão de gerar resultados distintos.
            Vale lembrar que historicamente a educação serviu de parâmetro para a identificação social de indivíduos. Desde as antigas instituições para jovens, famílias abonadas iniciaram seus filhos em ciências de caráter altamente exclusivistas, como as lições de latim e grego entre outras. O jovem mais capacitado para o trato social seria sempre o jovem com mais possibilidades de comprovar o conteúdo adquirido. O vestibular, muitas vezes não faz outra coisa senão apresentar uma enorme dose de continuísmo em relação a estas concepções de mérito.
            Outro ponto importante para se considerar, é o caráter lucrativo deste sistema de acesso, pois com a cada vez maior importância dada culturalmente ao vestibular, as escolas se voltam para uma modalidade de ensino que privilegia o certame em detrimento das demais funções da educação. Com o propósito da educação de tal forma distorcido, ficam dadas todas as condições para que as “indústrias” do vestibular se proliferem, com suas filosofias individualistas e seu caráter competitivo, se instituindo cada vez mais como as verdadeiras detentoras do caminho da excelência em educação.
            Voltando ao ponto de nossa questão, o debate realizado com os alunos, tomou um outro rumo quando foi feito um questionamento: “...e se as cotas não tivessem sido dadas, e sim conquistadas? Em que pé estariam estes argumentos”.
            Neste momento, com os alunos pegos de surpresa, foi realizada uma breve exposição sobre leis de iniciativa do estado e conquistas de movimentos populares. O que muitas vezes não é considerado nas abordagens da mídia ou nas reflexões sobre as mudanças dos cenários políticos sociais ou educacionais.
            Os alunos foram instigados a rever seus conceitos sobre como encaravam as transformações sociais e seu papel frente a necessidades iminentes de mudanças nas estruturas sociais, posto que não mais só se coloca em questão, o impacto de uma mudança deste caráter na vida de um ou dois indivíduos contemplados, mas se vislumbra uma possibilidade de democratização.
            É vital para que se compreenda as questões de políticas de cotas perceber que este movimento não partiu das universidades enquanto representante dos interesses estratégicos do Estado, nem tão pouco de iniciativa de grupos legislativos majoritários. Ao se pensar desta forma, fica cada vez mais difícil se considerar que houve uma tentativa equivocada de se equacionar problemas educacionais por parte do governo, ou considerar uma manobra de cunho político eleitoral, ou de simples benefícios dados aleatoriamente.
            Muitas vezes o que falta nestas discussões é a compreensão dos conflitos de interesses e das conquistas e derrotas dos movimentos sociais na dinâmica das transformações sociais.
            Ao menos, neste ponto, esperamos ter atingido um passo importante para os futuros questionamentos dos alunos.
           
























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