domingo, 14 de setembro de 2014

Indisciplina em sala de aula.

Conta uma antiga fábula, que se você, em meio aos seus problemas, tiver que conviver por um período de tempo com um bode em sua sala, todos os seus problemas ficariam em segundo plano. Todas as atenções seriam dadas ao inconveniente causado pelo bode, assim, ao retirar o animal, seria um grande alívio e uma sensação de felicidade, mesmo que as contas continuem atrasando, que o filho vá mal na escola e o casamento fracassado.
Tal qual na fábula, hoje na escola nós temos um grande bode habitando nossas salas de aula. É um bode chamado indisciplina; um monstro que criamos e que repentinamente passou a ser o único problema da educação. A tal da indisciplina parece estar impedindo os professores de colocar em prática os anos de sua excelente formação acadêmica e seus longos planejamentos de aula. A indisciplina deve ser combatida, pois se não fosse por ela, tudo aconteceria sem demais problemas.
Nenhum professor dos ensinos fundamental e médio seria louco a ponto de afirmar que os alunos são sempre receptivos e a bendita indisciplina não exista. As turmas são agitadas e no setor público, lotadas. Não é esse o ponto, aqui. O que eu coloco em questão são as soluções. Falamos da sala de aula, como se seu propósito terminasse em si mesma, ou seja, como se o sucesso de uma aula fosse... A aula funcionar, dentro de moldes que julgamos serem os ideais: alunos quietos escutando o professor; mas uma aula (nem deveria ser lembrado) não deve ser só isso. Uma aula é o momento onde o aluno é instigado a utilizar as formas já consagradas do pensamento humano (história, artes, matemática, biologia...) para aprender a interagir e, principalmente, intervir no mundo à sua volta. Para isso, claro, precisamos de disciplina.
Acontece, que silenciar alunos não é o mesmo que discipliná-los. Disciplina é uma virtude que ajuda a trabalhar de forma eficiente e compenetrada (o que não quer dizer silenciosa), buscando objetivos específicos e autossuperação. A outra forma de disciplina, aquela dos alunos em fila, em silêncio perante um professor satisfeito de si, não nos leva, necessariamente ao outro conceito de disciplina - a ativa e produtiva.
Todas as soluções que pensamos eficazes ainda passam por alunos homogeneizados passivos em suas cadeiras e dependentes de uma figura central que lhes dá, como uma ave aos seus filhotes, conhecimento mastigado e sem gosto. E quanto mais problemas de mil naturezas impedem nosso trabalho, mais e mais estamos falando que a culpa é do aluno indisciplinado. Como se fossem, eles, os bodes que atrapalham a plenitude do esforço docente. Por outro lado, nossas “turmas modelo” são espaços de tédio e falta de criatividade, mas se eles estão quietos, então tudo caminha bem, posto que nosso único parâmetro de comparação é uma prova feita pelo professor, para se medir o quanto os cérebros dos alunos foram capazes de enraizar aquilo que o professor falou. É claro, que o aluno quieto vai tirar dez, mas será que aquele conhecimento nota dez, realmente, é um conhecimento gerador de sentidos? Será que ele pode ajudar o aluno a enfrentar situações do cotidiano? Desafio os professores de biologia a ver se os alunos lavam as mãos depois de uma aula sobre micróbios e desafio os professores de história a conversar com seus alunos “nota dez”, sobre democracia e direitos humanos.

Voltando à questão da disciplina. A ordem militar funciona bem nas escolas militares, pois ela é pensada para tal, entretanto, aposto que este não é o único propósito da educação fardada. Eles sabem que a disciplina não termina em si, como querem nossos desesperados inspetores de corredor e aqueles que têm proposto a influência do comportamento militar nas escolas. É sabido, que vivemos em tempos difíceis nas salas de aulas. Mas é sabido, também, que nossos problemas são muito mais complexos do que parecem, sendo assim, focar a questão na disciplina é querer tirar o bode da sala e querer alunos silenciosos que nos permitam educa-los como se estivéssemos em 1930. 

domingo, 29 de junho de 2014

Sobre imagens e ofícios.

 Em nosso cotidiano, naturalizamos várias coisas que deveríamos tomar por nocivas. Uma delas diz respeito à profissão e à forma como nos vemos. 
    Certa vez, propositalmente, perguntei para uma aluna: sua mãe é o quê?. Era me respondeu: pedagoga. Prontamente respondi: a minha é bonita. Como minha réplica causou estranheza, lancei o questionamento: por que quando perguntamos se alguém é algo, a resposta é pronta e logo diz respeito ao ofício?
    Além de pensarmos em nossos ofícios como algo tão importante, ao ponto de sempre sermos professores, arquitetos, seguranças; temos um outro hábito, um tanto estranho: aprendemos a confundir nossos trabalhos com as imagens que eles representam. E esse ponto é o mais sério, sobretudo, quando as imagens são cada vez mais representativas em nossa autocompreensão.
    Não é novidade que as pessoas têm se preocupado mais em fotografar um show, do que contemplar as músicas. Fotografamos a comida, nas exposições, buscamos nosso melhor ângulo junto às obras expostas. Mas e nossa profissão? Onde entra nesse construir de imagens? Há muito, já se discute que as profissões poderiam ser formas de materializarmos nosso talento em busca do bem comum, enquanto se tornaram meros mecanismos de consumo ou se subsistência. Agora, vivemos em uma era onde os ofícios têm se resumido à sua possibilidade estéticas. 
    Ser advogado é sinônimo de um escritório com nome na porta, terno combinando com mochila e chopp às 18 horas, na calçada; Médicos viraram pessoas com letras indecifráveis, consultório e certezas; professores são santos dignos de todo respeito e admiração, pessoas abnegadas e construtoras do amanhã... Perdemos a dimensão do ofício como contribuição física, intelectual e material. Não é muito raro, um médico que só repita receitas e venha a se irritar, se por um acaso, o paciente não coma carne, ou não receba sangue. Se for alérgico à dada medicação, pobre coitado! Afinal, para que vamos nos preocupar em emprestar nosso conhecimento à diversidades humanas, se podemos condensá-los em  um paciente idealizado e homogêneo. Em meu consultório, eu digo que é o paciente e como ele deve ser! 
    Quantos adolescentes não sonham com a faculdade de direito e todo charme que ela oferece, desde os tempos quando jovens abastados largavam os mosquitos tropicais para representarem suas aristocráticas famílias em Lisboa ou Paris. Ora, hei de ser um advogado, um homem de leis e ternos bonitos. Deram-me, até, uma honraria acadêmica justificada por palavras do próprio Imperador.     Não há no mundo imagem mais bela do que a de um professor. Ainda que seu esforço intelectual seja restrito às apostilas de concursos, que ele se restrinja a ler o livro feito para seus alunos e que sempre tenha como recurso para os seus fracassos, culpabilizar aquele que menos pode se defender, ele é o abnegado construtor de países e futuros, merecedor das mais nobres honrarias. Salário digno, nem pensar. Quem o tem é mercenário!
    O que esses casos extremos têm em comum? A imagem. São pessoas que se constroem por e para um aparato estético que justifique a forma como ele se vê no mundo. O esforço intelectual foi trocado pela construção de possibilidades estéticas que viabilizem os discursos e legitimem um posto social. “Você quer saber mais do que eu? Eu sou professor (advogado, escritor, filósofo, jornalista), ora bolas”. Mas para que isso funcione, eu vou me valer dos mecanismos aprendidos ao longo de minha formação? Não preciso, pois se lutamos a cada dia para construir imagens que nos situem no mundo, seria injusto ainda ter que me preocupar com aprofundamentos teóricos e reflexões diárias acerca de minha prática profissional.”
    Penso que, partindo desse ponto, podemos ir um pouco além e pensarmos nas provas. O que são as provas, senão legitimações intelectuais que se restringem a si mesmas? Não que não sejam valorosas. Elas têm, sim, o seu valor. Mas elas podem não ter valor algum, se forem só uma forma de legitimar o jovem postulante a uma profissão e o esforço didático de seu professor. Então, estaríamos transformando nossas universidades em fábricas de pessoas que exercem profissões com uma dada chancela que tende a ser definitiva e inconteste.
    Mas podemos ir um pouco mais longe. Podemos pensar na imagem que criamos de um bom aluno e todo aparato estético que o cerca. Ele tira 100 acertando questões que dizem pouco ou nada para ele, e ele sabe que não precisa se aprofundar em dado assunto, pois é esperto o bastante para saber o caminho da nota máxima. A imagem de um bom aluno é de alguém que aprendeu que Chico Buarque cabe no capítulo sobre ditadura, mas não para pensar no quanto deve ser triste um barco descrever lentamente um arco e não atracar no cais. Sabe Deus o que deve ser o revés de um parto. A imagem de um bom aluno é o que contextualiza Monteiro Lobato, mas pouco se prende a rir de seus personagens, não sabe que Drummond já falou sobre guerras. A imagem de um bom aluno é o arquétipo da negação do todo, pela valorização da superfície, posto que é imagem. 
    Então, o ator que não gosta de teatro, o poeta que vai ao sarau só para divulgar seus livros, o professor que não lê... São quadros em duas dimensões pintados à muitas mãos.

sábado, 4 de maio de 2013

Sorriso

quem não viu o riso que a menina trazia no rosto
não viu que havia um...

não viu que havia...


não viu que...

não viu...

não...










não viu que um sorriso se basta.







domingo, 28 de abril de 2013

Proposta de utilização do filme "Uma vida iluminada" em sala de aula




Introdução
                A proposta a seguir trata da utilização do filme Uma Vida Iluminada (2005;  Liev Schreiber) como aula inaugural em turmas de história, podendo ser utilizado com alunos do oitavo ano do ensino fundamental, em diante.
Existe um grande desafio para o professor de história e abordar questões com seus alunos, que fazem parte do cotidiano do historiador: qual o sentido da história, e qual a razão de alunos tão novos terem que se identificar com um passado que lhes parece tão distante. Existe uma razão, senão um acúmulo de fatos passados, que justifique o tempo de seus dias dedicados à tal disciplina?
                Não se pode ignorar que existe certa legitimidade na recusa dos alunos em se motivar, ou o certo vazio que eles sentem ao se sentirem tão distantes das razões pelas quais eles são confrontados com o passado histórico, posto que a própria definição do trabalho do historiador não é algo tão nítido para boa parte daqueles que não vivem o cotidiano das ciências humanas.
                Preocupado com a concorrência que os filmes e demais formas de resgate do passado oferecem ao historiador, Roger Chartier afirma que o conhecimento produzido pelo historiador não é mais do que uma das formas de se relacionar com o passado. Assume, também, que memórias ou filmes podem ser mais poderosos, nesse sentido, do que os próprios livros didáticos. Buscando diferenciar o âmbito da memória e da história, apresenta como uma possibilidade, o fato de
 
“à imediata fidelidade (ou suposta fidelidade) da memória, opõe-se a intenção de verdade da história, baseada no processamento dos documentos, que são vestígios do passado, e nos modelos de inteligibilidade que constroem sua interpretação” (CHARTIER; 2007)
 
                Nesse sentido, a utilização de um filme pode, a princípio, levar o aluno a questionar o ambiente da memória e da história, enquanto condições distintas do resgate do passado, mas indissociáveis em seu processo. O filme aqui não seria uma tentativa de recontar o passado, mas de compreensão das formas como o passado pode ser apreendido por quem se debruça sobre ele e, de que maneira, cada interpretação pode se transformar em um objeto de interesse da história.
                Em outro momento, estabelece a diferença ente memória e história, situando a primeira em um plano pertinente às exigências existenciais das comunidades. A segunda, se estabelece como um saber aceitável e científico (CHARTIER; 2007).
                Simplesmente, tratando de filmes, sob uma perspectiva mais ampla não podemos considerá-los, como também afirma Chartier, uma informação sobre o real, sem poder requerer a posição de descrição dessa mesma realidade. Ao tratar, especificamente do filme escolhido para este trabalho, temos duas dimensões distintas a ser exploradas: a primeira, a do filme como um relato de um acontecimento histórico, no caso, uma ocupação nazista; na segunda possibilidade, já estamos dentro do roteiro do filme e podemos abordar a memória, enquanto resgate de um passado e o próprio processo de funcionamento dessas “exigências existenciais”. É importante ressaltar que para alunos mais novos, o conceito de memória e de história são flexíveis ao ponto de se misturarem e se confundirem até chegar a significar a mesma coisa, então, o alcance de um processo dito científico no trato da história não deve ser sobreposto ao entendimento “do que é memória”. Estudar e entender os processos de definição e atuação do campo da memória, seja quando é agente significador de culturas, seja quando é projetada em meio a uma cultura formadora de senso comum e, portanto, capaz de agir sobre sua própria transmissão; é tão pertinente quanto a própria análise documental da história.
                A primeira dimensão não se fará tão relevante, pois não é do que se trata a escolha do filme, como estratégia de ensino, mas à segunda, será dada uma atenção especial na própria análise do filme, que será vista à diante.
                A mistura entre as possibilidades do filme e da memória se fazem presente ainda, no questionamento acerca das possibilidades que Robert A. Rosenstone apresenta ao filme histórico, pois a representação de um fato histórico em um filme é tão problemática quanto a própria representação da história, pois sempre o passado pode ser substituído por uma versão, ou por alguma projeção de como ele poderia ter sido (ROSENSTONE; ). Então, novamente, nosso objeto aqui trabalhado pode cair nesse dilema, em suas passagens que falam da guerra; bem como, à memória dada aos personagens também incidirá os mesmos questionamentos.
                É importante o aluno se sinta à vontade para apreender do filme, conclusões que lhes sejam pertinentes e que suas idades e estágios de desenvolvimento escolar sejam respeitados na hora de um possível debate ou da inserção das possibilidades do filme na comunicação com outras partes e momentos do desenvolvimento do aprendizado da história. A ideia inicial é que Uma Vida Iluminada possa ser revisitado em vários momentos do ensino dos temas referentes à idade escolar do aluno, mas os pontos aqui tidos como possíveis de serem trabalhados não devem ganhar status de “matéria” escolar, sim, serem vistos como potenciais pontos de partida para que os alunos possam, à sua maneira, relacionar filme e livro didático.
                De acordo com Roger Odin, o público nem sempre vai reagir com o filme, na perspectiva pretendida. Se tal observação cabe ao próprio roteiro, ela é pertinente ao professor, que faz uma apropriação didática da linguagem fílmica e corre o risco de não ser correspondido em sua ideia inicial.
                Públicos diferentes reagirão de formas diferentes ao texto que lhes é apresentado. O que se, por um lado pode parecer uma dificuldade posta aos objetivos da aula, por outro se faz uma possibilidade de traçar caminhos que demonstrem aspectos sobre a relação do aluno com o tema proposto.
O Filme:
Uma Vida Iluminada é um filme que oscila entre o drama, a representação histórica e a comédia. Seus personagens são muito bem delineados, em cenas que os constroem e oferecem ao espectador muito mais do que meras descrições acerca de seu caráter e de seus dramas. As falas, a bela fotografia e a trilha sonora em perfeita harmonia com a série de acontecimentos que marcam a narrativa são mais elementos no filme, pois se fazem potenciais significantes para a compreensão e apreensão de todas as possibilidades que vão construir os personagens e oferecer elementos que possibilitam acompanhar suas evoluções ao longo da trama.
                As primeiras sequências do filme mostram um painel com memórias de família e um narrador marcado pelo uso da primeira pessoa, mesmo sem ainda ter sido “apresentado” à trama. Aparentemente, o narrador se apresenta distanciado da história que se apresenta no painel, pois fala de Judeus (que a associação entre a narração e a sequência de imagens faz parecer ser a família ali representada) de forma irônica. Vale a atenção do professor para essa primeira sequência, pois pode ser o início de uma discussão acerca do preconceito que costuma-se ter com culturas por nós desconhecidas ou ignoradas, assim, tem-se o primeiro ponto para o debate sobre a dimensão da própria História, enquanto disciplina escolar.
                Na sequência seguinte, o narrador já tem um rosto e segue escrevendo o que parece ser um livro ou um diário (no decorrer do filme, percebe-se que seus escritos compõem um livro ou algo no mesmo formato). O ponto mais importante da sequência, para o que se espera apresentar neste trabalho é sua fala a respeito de não entender o fato de os judeus se preocuparem com o passado, fato que para ele, não fazia, até então, sentido. Em sua perspectiva, o passado não é relevante.
                Ironicamente, o narrador – Alex – é a terceira geração de uma família que tem por atividade comercial, uma agência de turismo especializada em guiar judeus em na busca de suas origens, sobretudo, quando se tratam de famílias que buscaram refúgio em outros países, por conta da segunda grande guerra. Os questionamentos de Alex, acerca da busca pelo passado são mais do que facilitadores do debate acerca da própria importância da investigação histórica como possibilidade de autocompreensão e da perspectiva da nossa disciplina como uma ciência que muito se vale do passado para explicar o presente.
                Jonathan é o colecionador, um judeu que centralizará as ações do filme. No plano temporal, é a partir de sua chegada à Ucrânia e do encontro com Alex e seu avô, o cômico guia cego que além de ser o motorista da expedição, é marcado por seu mau humor e aparente antissemitismo. No plano da construção psicológica dos personagens, são suas descobertas que significarão os novos (ou nem tão novos) conhecimentos que determinarão mudanças significativas na autocompreensão dos outros dois personagens.
                O lado cômico de Jonathan fica por conta de ser um colecionador compulsivo e indiscriminado. O painel apresentado no início do filme é, nitidamente, o resultado alguns anos de cultivo do hábito e o apego especial por objetos relacionados a sua família.
                O encontro entre o Judeu americano e os inusitados guias acontece depois de uma cômica recepção improvisada, quando Alex tenta fazer com que uma pequena banda de artistas de rua, que se apresentava na estação de trem, receba seu cliente ao som do hino dos EUA. A partir daí, elementos cômicos e dramáticos darão a tônica de um choque cultural manifestado pela dificuldade de Alex com a língua inglesa, pelo estranhamento em relação a algumas particularidades de Jonathan e pela insistência do americano em se valer de seu guia turístico para se relacionar com pessoas que apareciam em seu caminho.
                Em sala de aula, os elementos cômicos e dramáticos podem ser usados como uma espécie de termômetro, pois a reação dos alunos pode apontar uma série de possibilidades no campo de suas afetividades, assim, possibilitando que a análise fílmica e o objeto da aula não se tornem “maçantes” ou os deixem dispersos.
                Boa parte do filme se dá em uma estrada e em algumas eventuais paradas para informações ou hospedagem. Existe um fato interessante acerca da própria estrada, que não pode ser negligenciado. Em um dado momento da viagem, os três saem de uma via movimentada e entram em uma auto estrada, onde, na maior parte do tempo, o carro da empresa de turismo anda sem a companhia de outros veículos. No final do filme, ao saírem da autoestrada e entrarem novamente em perímetro urbano, os três personagens entram em uma via bastante movimentada e o plano escolhido para a filmagem mostra o carro, de cima, se misturando aos demais e “voltando à rotina” da cidade. É interessante que a entrada e a saída podem servir de alegorias para a própria jornada de pesquisa ou de conhecimento, pois o resgate do passado pode ser visto como a entrada nessa estrada e a mudança de cenários detectada na saída, sobretudo por personagens tão modificados por suas jornadas ao seu passado, representa um retorno ao cotidiano, ao mundo das relações do indivíduo, mas dessa vez, acrescido de uma gama de memórias e conhecimentos que serão ali reexperimentados nessas mesmas relações habituais.
                A estrada, marcada por uma bela fotografia e pela quase ausência de outras relações, senão as que ocorrem dentro do carro, é quase a perfeita alegoria do mergulho no passado e no autoconhecimento.
                O objetivo da jornada é uma vila chamada Trachimbrod e a dificuldade está no fato de as poucas pessoas as quais as informações são pedidas desconhecerem tal vila. Existe na busca, uma relação que se coloca cada vez mais intensa entre os personagens. A tensão nos momentos mais complicados da viagem mostra uma relação de cumplicidade, mas ao mesmo tempo, conflituosa.
                A busca que justifica a empreitada dos três personagens tem seu início com uma fotografia, um adereço e um depoimento feito em leito de morte. A partir daí, juntando os personagens, como são descritos e a própria estrada, podem ser comparados, em uma perspectiva própria para a sala de aula, com o trabalho que o historiador tem quando se depara com um dado objeto ou documento que se faz fonte histórica. Nesse exercício, pode-se trabalhar a ideia de uma fonte histórica que não “fala” por si só.
                Existe ao longo da trama uma série de falas e diálogos que podem ser problematizados pelo professor. Um deles se dá no momento em que ao se dirigirem a um garoto em busca de informação, o pequeno  inicia o seguinte diálogo:
- O que é Trachimbrod?
- Só um lugar que procuramos.
-Se não tem nada lá, por que estão procurando?
                O menino encontrado à beira da estrada não percebe a importância de uma busca, pois a princípio, se não existe uma objetividade aparente, nada acaba justificando uma busca.
                Outro diálogo digno de nota ocorre entre Alex e Jonathan, quando o primeiro questiona o hábito do segundo de coletar objetos e revesti-los em um pequeno saco plástico (semelhantes ao usado na sequência onde a coleção é apresentada ao público). A resposta de Jonathan tem um ar de uma conclusão recente e pouco solidificada: “talvez por medo de esquecer”.
                A primeira sequência aqui destacada pode ser trabalhada em seu sentido mais óbvio, que é como ponto de partida para o mesmo conhecimento, mas dessa vez, tangenciando o próprio aprendizado da história, como algo que não pode ser submetido a uma lógica de simples funcionalidade superficial, pois todas as descobertas feitas ao longo do filme, também não estiveram sujeitas a essa mesma funcionalidade. O segundo fragmento é mais representativo, pois o Personagem Jonathan ao final da trama, se desfaz de dois objetos pessoais e de punhados de terra que coleta quando a viagem chega ao fim. O momento em que Jonathan distribui os objetos é tão marcante emocionalmente, que vale a pena incentivar um debate sobre o que poderia ter feito um colecionador inveterado a abrir mão de tantos objetos significativos para si. Possivelmente, aqui, pode-se ter um bom termômetro sobre a atividade com o filme.
                A jornada em busca de Trachimbrod segue e o personagem do avô de Alex começa a viver uma virada na trama, o lado cômico de velho rabugento vai dando lugar ao personagem mais dramático, marcado por tomadas de câmera que o isolam mais em meio a paisagem e uma trilha sonora mais compatível com a reflexão do que com o comportamento explosivo. Como se fosse passar uma mensagem ao espectador, seus movimentos são mais surpreendentes, seus gestos mais lentos e a forma como ele se relaciona com o ambiente dão pistas de uma quase misteriosa familiaridade, que virá a ser revelada.
                Quando se depara com algumas ruínas, o ancião tem seu rosto em primeiro plano na imagem e o seu olhar é a melhor forma de perceber que existe, ali, uma relação com o ambiente. O contraplano, marcado pelo “achado” é contemplado como se significasse algo muito marcante.
                As cores vivas da fotografia vão cedendo lugar para as tomadas em preto e branco enquanto um flashback mostra um enfileiramento de botas militares, pés descalços e calçados mais simples, contrapostos. Quando a imagem se revela, temos o amadurecimento de um dos personagens e a mudança que os outros dois personagens principais e o espectador têm do Avô supostamente cego e supostamente antissemita, que passa a ser mais cortês e mais disposto à interação com seus companheiros de viagem aos poucos, também revela-se ao deixar pistas de não ser a primeira vez a estar no lugar onde estavam.
Jonathan partiu para a Ucrânia buscando um lugar onde encontraria a pessoa que ajudou seu avô a fugir, buscava saber mais sobre seu passado e concluir a busca iniciada com a foto e as pistas que tinha, já, nos EUA. O fim da sua busca se dá em um ambiente de extrema felicidade, em se tratando de fotografia. O carro se perdendo em meio a uma plantação de girassóis (que trazem sua simbologia para misturar roteiro e fotografia) e uma casa centralizada com roupas brancas em um varal.
                Ao buscar a tomada que parte de um plano horizontal até se tornar aérea, a casa e o varal são emoldurados pela plantação que se perde em um foco quase infinito e quase homogêneo.
                Simultaneamente ao belo diálogo com a moradora da casa, Alex, enquanto narrador, nomeia seu último parágrafo: Capítulo 5 – iLUMINAÇÃO.
                Ao perguntar para a senhora que lava uma peça de roupa branca, onde fica Trachimbrod, Alex recebe uma bela e misteriosa resposta: “Eu sou Trachimbrod”. À resposta, segue-se uma série de descobertas sobre fatos terríveis e desencadeamentos de memórias que não podem ser descritas, senão, pelo nome dado ao capítulo: iluminação.
                A sequência virá a descortinar o mistério iniciado com a mudança de comportamento do avô e o final da busca.
                Trachimbrod não existe, senão na memória de uma sobrevivente do massacre que dizimou o local e seus habitantes; além de uma placa fincada ao solo à beira de um rio, por isso, muitos pontos podem ser levantados acerca da memória, da importância da preservação e do constante resgate do passado.
                Novamente com a fotografia em um outro tom, revela-se a memória do avô, a forma como sobreviveu ao mesmo massacre e o gesto simbólico de retirar a jaqueta com a estrela de David, gesto que explica o fato de sua família não conhecer sua ascendência judia.
Em Uma Vida Iluminada, não só o passado é explicitado, mas nosso personagem se relaciona com ele, ressignificando-o e por consequência sendo por ele ressignificado. É o passado histórico que se faz presente, não só a sequência de fatos ocorridos ganham importância na narrativa. Por isso, o esforço em se compreender a história e a apropriação do passado vão se materializar no campo das representações, não na simples tomada de consciência sobre fatos idos.
Obviamente, não seria interessante interromper o filme a cada observação, mas alguns pontos devem ser explorados pelo professor, além dos já comentados:
·         A simbologia da coleção de objetos;
·         A influência dos EUA na vida de Alex;
·         A importância da história para os judeus;
·         O porquê da história contada por capítulos;
·         O significado do gesto simbólico da jaqueta;
·         “Descoberta”  do neto pelo avô e do avô pelo neto, resultando em manifestações de afetividade;
·         O significado da foto como ponto de partida da busca;
·         Possibilidades de interpretação para o final do filme, quando atores que passaram pela trama, retornam já em solo americano e no caminho de Jonathan (pessoas comuns tendo rosto);
·         Diferença entre a coleção de Jonathan e a que caracteriza Trachimbrod;
·         A importância da Senhora para Trachimbrod;
·         Simbologia do girassol;
·         Superexposição à luz e a aproximação em close no momento onde o Avô se recorda de seu passado e quando Jonathan sai do aeroporto.
 
 
Ficha técnica:
Título original: Everything Is Illuminated;
Ano: 2005;
Língua: Inglês
Diretor: Liev Schreiber
 
 
 

sexta-feira, 8 de março de 2013

Na prática, a teoria é outra.



Na prática a teoria é outra ou na prática quem teoriza é outro?
Qualquer pessoa que se prepara para exercer a docência já se preocupou em elaborar planos de aula pautados em teorias absorvidas na aula de didática. Normalmente, tais planos são expostos para uma plateia de estudantes de graduação acostumados com os objetivos gerais e objetivos específicos da vida. Normalmente, trazem vídeos, jogos, e várias outras dinâmicas dispostas a trabalhar possibilidades cognitivas e afetivas dos temas. Toda proposta parte da superação do atraso das aulas expositivas convencionais e do fracasso do livro didático como instrumento de ensino. Pensa-se muito em transformar a história tirando-a do factual e levando para a vida do aluno, como se a construção do factual e sua seleção enquanto elemento “relevante” para o conhecimento, não se comunicasse com a própria construção do imaginário que a criança e o adolescente trazem de suas famílias.
Mas, e aí, como fica tudo isso quando a sala de aula não é composta por colegas solidários e um professor que quer devolvidas as técnicas que ele defendeu ao longo do semestre? E quando forem as crianças de 12 ou 13 anos? Universos particulares, únicos e que não aceitam ser homogeneizados? E se a sala não for mais seu território, mas o território deles? A teoria é outra?
Por mais paradoxal que pareça, existem estudantes que vão ficando experientes em educação e passam a se dedicar à fiscalização da prática de seus colegas mais velhos. Não que o conhecimento recém-absorvido na universidade não possa servir de parâmetro para novas orientações sobre o ensino, nem que o tempo de serviço dos professores em atividade seja sinônimo de bons ensinamentos para os mais novos, mas o que se ouve dos colegas que voltam do estágio, beira a covardia, pois é muito fácil aplicar uma bela atividade em uma turma que não é a “sua turma”, onde você não esteja até o pescoço atolado com as contradições da educação. É muito fácil poder usar o tempo que quiser, se não é você quem será cobrado pelo programa.
Aí acontece que você vai para lá. E aquele livro didático que você tanto quer superar deve ser usado, pois o pai pagou por ele e ele é o que vai dar segurança para o aluno. Você vai escutar o aluno perguntando que horas vai começar a aula, depois de você ter passado 40 minutos explicando como a história pode fazer parte de sua vida, mesmo, fora da escola. O imaginário sobre o que é uma aula não se desfaz do dia para a noite. Aí aquela teoria que foi para o plano de aula, como fica? Ela não cabe na escola da vida real? A escola onde você tem uma hora e vinte só com uma caneta pilot ou um giz? Cabe e sempre coube, mas cabe se aquela teoria dos bons tempos da faculdade não for pensada só de forma pragmática e funcional; cabe se os clichês que os acadêmicos adoram verbalizar forem acompanhados de uma pergunta muito simples: como?
Revoluções são feitas na prática, ali onde seu tempo para pensar é pouco e a teoria não é tão redonda quanto parece. Não adianta você ter a teoria na cabeça, se ela não educar o instinto, se ela não for dialogar com o aluno. E é nessa relação que o professor é transformador: quando consegue transformar sem esperar que as condições ideais apareçam como em um passe de mágica.
É ali, na contradição diária que a sua teoria deve ser aplicada e é ali que se pode ver quem pensou na teoria como um instrumento, não como um joguinho retórico encerrado em si.
Pode ser que na prática a teoria seja outra, ou pode ser que a teoria sempre esteve a exigir outras práticas e o professor só vai perceber quando ele estiver ali, onde a teoria não se basta e o conforto do “mais do mesmo” é mais que tentador.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

O TEATRO DA VILA CRUZEIRO OCUPANDO ESPAÇOS FÍSICOS E SIMBÓLICOS.


O que o teatro pode fazer pelos jovens da Vila Cruzeiro? Pergunta um jornalista ao professor e diretor teatral, Veríssimo Júnior. A resposta nos dá uma dica do que podemos esperar do grupo Teatro Na laje. Responde o professor: “a melhor pergunta seria o que os jovens da Vila Cruzeiro podem oferecer ao teatro?
            O espetáculo apresentado na Arena Carioca Dicró possui o nada sugestivo nome de "A viagem da Vila Cruzeiro à Canaã de Ipanema numa página do Facebook". O nome descrição apresenta todo seu sentido quando a busca por Canaã de Ipanema é acompanhada por passagens bíblicas que ilustram os registros fotográficos da “Jornada” de um grupo de jovens até o dia de lazer na praia. A Zona Sul vira Canaã, o facebook vira narrativa bíblica e os peregrinos passam a ser os heróis de uma jornada de ressignificações e apropriações estéticas que tomam conta do teatro, das músicas, da geografia do Rio de Janeiro e têm como ponto de partida, o corpo.
            A pesquisadora Adriana Carvalho Lopes, ao estudar o Funk e a criminalização sofrida por jovens da periferia, aponta os atos de fala como possibilidades compreensíveis pelo contexto onde estão inseridos existindo, assim, uma situação em que um ato de fala constrói um ambiente e por ele será construído. Tudo isso ocorre em uma teia complexa de mútua construção. Citando Butler Austin, Adriana aponta os atos de fala como elementos irredutíveis a si próprios, posto que são impregnados de historicidade¹.
            É nesse ponto, que retomamos a intervenção do professor Veríssimo, pois a apresentação dos atores da Vila Cruzeiro nos trazem uma infinidade de intervenções em elementos tão estanques da nossa cultura. Primeiro, a própria ocupação do teatro e a forma como isso acontece já se transformam em uma forma de ação sobre um universo cultural repleto de liturgias e significados cristalizados no imaginário de seus frequentadores: a plateia passiva e receptiva “consumindo” cultura e aplaudindo na hora de aplaudir, rindo na hora de rir e se vestindo como convém se vestir. Então, o que a Vila Cruzeiro pode oferecer ao teatro? A resposta fica no depoimento dado pelo Professor (no facebook, claro):
 
“Celebração dionisíaca pura na noite da última sexta-feira! Jovens de bermuda, tênis e chinelo, (...) adentra o espaço da Arena Carioca Dicró, naquele momento transformada em SEU espaço, para ver o grupo de teatro de sua comunidade, o Grupo Teatro da Laje, se apresentar. Uma liga firme unia palco e plateia. A plateia alimentava o palco e o palco alimentava a plateia. A plateia se via no palco e o palco se via na plateia, num jogo de espelhos excitante, eletrizante e produtivo. A plateia cantava e dançava com o palco e o palco descia pra cantar e dançar com a plateia. Gritos, assobios, palmas, urros e comentários dirigidos ao palco perpassavam o tempo todo a plateia. "Uma plateia má educada e despreparada para o teatro!", esbravejariam alguns. "Uma plateia que reinventa o coro dionisíaco, que revigora o teatro, que o faz reviver os melhores tempos do teatro elizabetano. Uma plateia criada e formada pelo Grupo Teatro da Laje e da qual ele muito se orgulha!", dizemos nós. EVOÉ, EVOÉ, BACO! VIVA O GRUPO TEATRO DA LAJE! VIVA A GALERA DA VILA CRUZEIRO!”
 
            A afirmação do professor é totalmente condizente com o que vê, na apresentação, um expectador leigo. A “bagunça” começa com os atores entrando, já cantando e promovendo a primeira performance da noite. A plateia repleta de jovens como os já descritos recebe os atores em sintonia com o que acontece no palco.          
O cenário é simples e totalmente utilitário, com isso, o elenco promove performances que acompanham as músicas, enquanto a plateia acompanha as cenas que acontecem no palco. Música dançada no palco é música dançada na plateia. Quando um enaltece seu próprio corpo e beija seu braço em uma irônica auto exaltação, a plateia assovia e incentiva o narcisismo exagerado e cômico que presencia. Ao perceber a reação da plateia, nosso narcísico personagem dá lugar ao ator que lança olhares maliciosos para a plateia em um distanciamento digno das grandes teorias teatrais.
            Assim, segue o espetáculo... Música, humor e sensualidade em uma crítica social que não se faz em panfletos ou manifestos, mas na manifestação de corpos, vozes e posturas de jovens que retratam todos os significados de uma simples (ou não) ida à praia.
            São várias as expressões e representações que o grupo busca em sua performance. A cada música, uma apropriação diferente de um elemento cultural e uma criação nova, uma fala nova se refaz. “Nós Vamos Invadir sua Praia”, do Ultraje a Rigor é mais viva do que nunca, quando interpretada dessa forma.
            Num dado momento, uma obra de Vivaldi se mistura à batida Funk em um grande exemplo de apropriação do intacto, daquilo que é culturalmente santificado e inconteste. A batida Funk misturada à obra clássica serve de plano de fundo para que os atores se manifestem, também, e interajam com o som e, novamente, com a plateia.
            A apropriação da cultura, como afirmou o Professor Veríssimo, não fica no simples gesto do “como fazer” e do fazer diferente. Não se trata de chegar no teatro e mostrar o que eles podem fazer, se trata de ocupar o teatro enquanto conceito, enquanto elemento pulsante e vivo, que transforma jovens, mas é transformado por eles. Como afirma o professor:
 
“Aí vou pedir cola a Walter Benjamin (...): não se contentarem em apenas criar produtos, mas também meios de produção. Fazerem teatro se perguntando o tempo todo o que é teatro, ao invés de tomá-lo, como você mesmo diz, como algo estanque, intocável, etc.”
 
            Quando questionado sobre a materialização de sua fala na atuação dos atores:
 
“Na metodologia usada para a confecção da dramaturgia e do discurso cênico, que procura valorizar ao máximo o universo simbólico e cultural...
as práticas cotidianas... transformando-os em signos.
E também no uso dos jogos de improvisação para deixar emergir deles, de dentro para fora, um acordo grupal, ao invés... do procedimento da direção impor marcas e movimentos.
A direção tem, sim, um papel ativo: olha, opina, diz o que tá dando certo, se a comunicação com a plateia está se efetivando, etc. Também propõe temas para improvisações e
até sugere marcas e movimentações, mas o critério para que elas sejam usadas é perceber se foram abraçadas pelo grupo e tornadas orgânicas.”

É do universo simbólico e cultural que sai o bem mais valioso do espetáculo. A parte que pode ser lida como um manifesto do corpo, pois se trata de uma valorização, não da arte como instrumento direto de uma voz conclamatória em tom de manifesto. Não se trata de “falar” explicitamente de problemas sociais ou dos abismos sociais existentes na cidade do Rio de Janeiro. Assim, tanto na Arena Carioca, como em várias manifestações culturais feitas por jovens da periferia, é a voz que se afirma e é o corpo que busca espaço. Não importa o que diz a letra, ou se a fala é de protesto. Ocupar o espaço e fazer sua voz ser ouvida é se impor buscando democratizar, não a só cultura, mas os meios e o conceito de cultura.
O espetáculo traz a o universo simbólico de quem pega o trem, de quem trabalha no centro e mora na Vila Cruzeiro. Traz, não para dizer que a cidade precisa ser democrática, mas para ocupar a cidade e fazê-la democrática, seja no plano simbólico da Canaã de Ipanema seja na ocupação concreta do teatro enquanto espaço físico e elemento conceitual.

1. CARVALHO, Adriana Lopes.  “Funk-se quem quiser”: no batidão negro da cidade carioca. Ed. Bom Texto SP2010

 

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Eu, pessoa no plural.




Hoje, tenho tantos sentimentos misturados
 que de tão misturados não se sabem nem bons e nem ruins
 suas próprias existências já fazem tremer o corpo
em cada calafrio, náusea, sorriso, gargalhada doentia...
Enlouqueço
Meus sentimentos me dizem: existimos!
Somos sentimentos potentes e potencializadores, 
existimos!
Não nos queira mal.
Existimos fora de sua vontade,
Simplesmente existimos.
Somos o efervescer amorfo que te dá vida
Existimos
Por mais que tentes não saber,
Existimos
Existimos para que existas
Não tentes nos dar nomes
Não tentes saber quem és
O que somos 
Não tentes ser feliz
Não tentes saber o que é ser feliz
Permita-nos
Permita-se