Conta uma
antiga fábula, que se você, em meio aos seus problemas, tiver que conviver por
um período de tempo com um bode em sua sala, todos os seus problemas ficariam
em segundo plano. Todas as atenções seriam dadas ao inconveniente causado pelo
bode, assim, ao retirar o animal, seria um grande alívio e uma sensação de
felicidade, mesmo que as contas continuem atrasando, que o filho vá mal na
escola e o casamento fracassado.
Tal qual na
fábula, hoje na escola nós temos um grande bode habitando nossas salas de aula.
É um bode chamado indisciplina; um monstro que criamos e que repentinamente
passou a ser o único problema da educação. A tal da indisciplina parece estar
impedindo os professores de colocar em prática os anos de sua excelente
formação acadêmica e seus longos planejamentos de aula. A indisciplina deve ser
combatida, pois se não fosse por ela, tudo aconteceria sem demais problemas.
Nenhum
professor dos ensinos fundamental e médio seria louco a ponto de afirmar que os
alunos são sempre receptivos e a bendita indisciplina não exista. As turmas são
agitadas e no setor público, lotadas. Não é esse o ponto, aqui. O que eu coloco
em questão são as soluções. Falamos da sala de aula, como se seu propósito
terminasse em si mesma, ou seja, como se o sucesso de uma aula fosse... A aula
funcionar, dentro de moldes que julgamos serem os ideais: alunos quietos
escutando o professor; mas uma aula (nem deveria ser lembrado) não deve ser só
isso. Uma aula é o momento onde o aluno é instigado a utilizar as formas já consagradas
do pensamento humano (história, artes, matemática, biologia...) para aprender a
interagir e, principalmente, intervir no mundo à sua volta. Para isso, claro,
precisamos de disciplina.
Acontece, que
silenciar alunos não é o mesmo que discipliná-los. Disciplina é uma virtude que
ajuda a trabalhar de forma eficiente e compenetrada (o que não quer dizer
silenciosa), buscando objetivos específicos e autossuperação. A outra forma de
disciplina, aquela dos alunos em fila, em silêncio perante um professor
satisfeito de si, não nos leva, necessariamente ao outro conceito de disciplina
- a ativa e produtiva.
Todas as
soluções que pensamos eficazes ainda passam por alunos homogeneizados passivos
em suas cadeiras e dependentes de uma figura central que lhes dá, como uma ave
aos seus filhotes, conhecimento mastigado e sem gosto. E quanto mais problemas
de mil naturezas impedem nosso trabalho, mais e mais estamos falando que a
culpa é do aluno indisciplinado. Como se fossem, eles, os bodes que atrapalham
a plenitude do esforço docente. Por outro lado, nossas “turmas modelo” são
espaços de tédio e falta de criatividade, mas se eles estão quietos, então tudo
caminha bem, posto que nosso único parâmetro de comparação é uma prova feita
pelo professor, para se medir o quanto os cérebros dos alunos foram capazes de enraizar
aquilo que o professor falou. É claro, que o aluno quieto vai tirar dez, mas
será que aquele conhecimento nota dez, realmente, é um conhecimento gerador de
sentidos? Será que ele pode ajudar o aluno a enfrentar situações do cotidiano?
Desafio os professores de biologia a ver se os alunos lavam as mãos depois de
uma aula sobre micróbios e desafio os professores de história a conversar com
seus alunos “nota dez”, sobre democracia e direitos humanos.
Voltando à
questão da disciplina. A ordem militar funciona bem nas escolas militares, pois
ela é pensada para tal, entretanto, aposto que este não é o único propósito da
educação fardada. Eles sabem que a disciplina não termina em si, como querem
nossos desesperados inspetores de corredor e aqueles que têm proposto a
influência do comportamento militar nas escolas. É sabido, que vivemos em
tempos difíceis nas salas de aulas. Mas é sabido, também, que nossos problemas
são muito mais complexos do que parecem, sendo assim, focar a questão na
disciplina é querer tirar o bode da sala e querer alunos silenciosos que nos
permitam educa-los como se estivéssemos em 1930.