domingo, 19 de dezembro de 2010

Sobre cultos e cultura

Certa vez, ouvi que determinada música era linda, por remeter a uma menina cuja tristeza comoveu o compositor e o inspirou a escrever. Quando disse que não havia gostado da música por achar chata uma repetição de frases desconexas, eu tive a explicação: é por que você não conhece a história da menina.
Mas e aí, como fica? A história devia estar lá. Em narrativa ou em metáfora, ela devia estar lá. Voltei a escutar a música tentando perceber o que se colocava para mim e eu não via. De fato: a história triste da menina não estava lá. Para gostar da música, eu deveria ter um pré-requisito, um conhecimento prévio ou uma chave de acesso qualquer.
A arte tem destas coisas, permite seus admiradores se valerem de uma permissividade provocada por uma dose de subjetividade do artista para se atribuir valores que só são percebidos por entendidos conhecedores de histórias ou teorias que deveriam, somente, estar a serviço da criação. Estes processos criativos, em hipótese alguma, deveriam ser confundidas com a mensagem final.
Os amantes das diversas manifestações artísticas se utilizam deste artifício, muitas vezes, para se fecharem inconscientemente (ou não) em grupos que lhe permitam o maior senso de exclusividade possível.
O enaltecimento da técnica ou do contexto não deveria ser mais relevante do que o resultado final da obra, posto que o objetivo da arte é ser sensorial e, por si só, deve ser entendida pelo grande público. E ao grande público deve ser dirigida a obra (mesmo que esta não seja aceita por um grande público).
Ainda que as poesias, as músicas e as demais expressões artísticas façam menção a elementos externos, sejam eles fatos históricos ou alusivos à manifestações culturais; esteticamente, os valores devem estar presentes na própria obra e a linguagem a qual esta se propõe, devendo ser completa de sentido em si mesma.
Conceber uma manifestação artística que necessite de conhecimento prévio para sua compreensão seria como se os médicos se dedicassem a cuidar somente de seus pares e mecânicos viessem a se dedicar aos equipamentos de seus colegas.

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