segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O Julgamento de Capitu





Capitu e Bento foram concebidos nos mesmos sentidos em que se podem conceber as paixões. Suas construções ao longo da obra fazem florescer aspectos da vida humana em seus desejos, amadurecimento e, sobretudo, na descoberta do amor.
Capitu dá sentido à trama pelos seus olhos de ressaca ou cigana dissimulada. Sua curiosidade e a sua tendência ao domínio a tornam apaixonante mais por emocionar os leitores a  partir de suas vontades e da força do seu caráter do que por qualquer coisa que possa, simplesmente, representar. Bentinho é doce e apaixonado de uma forma ingênua e, ao mesmo tempo voraz. Ele é quem perde o controle enquanto Capitu planeja e carrega o ônus da espera. Sim, esperar quando se fica é mais difícil.
Entretanto, Capitu e Bentinho não existem ou existiram. O sentimento que nos é proporcionado se deve ao gênio do autor que usa seus personagens para descrever aquilo que deseja. O destino da ficção é falar coisas reais por caminhos criativos. Explico: a ficção representa. Enquanto os outros gêneros descrevem e tentam provar. A literatura ficcional, acompanhada da poesia experimenta as possibilidades sem compromisso de assumir uma verdade. Por isso, Bentinho não é teu vizinho a quem você espera algo e imagina que seus atos sejam motivados por algo externo. Suas motivações são internas e só se comunicam com o que vem da trama. De Capitu, nada interessa senão o que está escrito. Tudo o que se projeta, além disso, são desejos de quem lê. E quem lê, não tem o direito de interferir na obra do autor.
Se me preguntam se houve a traição: a resposta é sim e não. Não que exista a dúvida, pois a situação exposta é clara. Ela traiu e não traiu, estando tudo bem exposto ao passo que é exatamente isso que dá significado à obra.
Pensar em uma possibilidade implica em tirar a dúvida de Bentinho. Logo, não haveria mais a confusão que o caracteriza na obra e nos leva à angústia dos personagens.
Se Capitu traiu, ela é culpada pela confusão de Bentinho. Se não, Bentinho estaria incorrendo em injustiças; e o livro não fala em culpados e injustos. O livro fala em possibilidades inerentes ao ato de amar dando destaque ao ciúme.
Todos os personagens da obra são magníficos e a sutileza da composição da dúvida é o ponto máximo deste exemplo da genialidade humana que é Dom Casmurro. Nossos vícios em procurar soluções, culpados, causas e consequências podem nos cegar ao ponto de não nos permitir extrair da obra o que ela tem de mais genuíno e interessante: a expressão do homem em seu melhor ângulo que é o externo. Ou seja, o ângulo do escritor que capta do homem aquilo que o homem tem para oferecer, mas só é capaz de descrever quem o vê de fora. Neste caso, o autor. Avida é vazia de sentido por precisar de propósitos que a signifiquem, enquanto a literatura é livre para expressar-se em sua própria dinâmica de sentidos. A arte não é refém da vida, ao passo que consegue ser externa a ela.

Um comentário:

Marcio Allemand disse...

Este teu texto me lembrou um exercício que fiz na faculdade, qdo tive de escrever uma crítica de um filme. Tirei 10. Se eu fosse teu professor e tivesse te pedido uma crítica de Dom Casmurro tb te daria 10. Achei muito bom, cara. De verdade.